9 de jul. de 2015

A Vã Tentativa do Pretenso Escritor

Escrever é esquecer.

A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida.

A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm.

A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida - umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana.

Não é o caso da literatura.

Essa simula a vida.

Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa.

Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso.

Fernando Pessoa - Livro do Desassossego


Sonhar. Imaginar. Criar. Escrever. Verbos ínfimos, porém poderosos. Excêntricos na existência e fieis a sua essência. Permeiam a vida de seres abençoados, deuses menores, captadores de história, escritores.

Um em cada três pessoas SONHARAM em um dia viver de fantasia, sonharam com mundos, criaturas, seres da noite ou simplesmente com o amor. IMAGINARAM seus sonhos transpostos em tinta e papel, CRIARAM narrativas e composições, ESCREVERAM linhas, frases, parágrafos, capítulos, livros.

Mas diferente dos verbos transmutados em diversas formas, tempos, pessoas, modos, números e voz, escrever é imutável, ou se é abençoado por Clio a musa grega da criatividade ou se vive sempre na sombra do Senhor Fracasso.

Clio, por Pierre Mignard (século XVII).

Eu sou um destes seres míseros que sonham com o sucesso através das palavras, que deseja a imortalidade por meio de um conjunto de folhas de papel com o nome grafado na capa. Mas quem não é assim? Quem não deseja o sucesso?

Comecei a sonhar com o mundo literário ainda criança, sete anos, recém alfabetizado, quando escrevi um micro conto que emocionou minha professora primaria. O título da minha primeira produção textual?

A formiga e o Doce de leite”. Lembrar-me da história é impossível, mas o título jamais irei esquecer.

Como era bom ouvir o quanto eu era inteligente, criativo, genial.

Quando crescer, você vai ser escritor”. Disse-me a professora.

E isso seguiu-se por anos e anos. As várias professoras de português, incentivando, empurrando, motivando.

Contos. Poesias. Poemas. Crônicas. Inúmeras redações. Todas elogiadas, aclamadas.

Aos dez anos meu primeiro concurso literário. Uma redação sobre a importância do bom censo no trânsito. Trabalho intitulado: “A Crescente Lástima da Roda”.

Devo confessar que para títulos a criatividade era ímpar, o que não condizia com o restante do texto, a mesma professora lá do primário, incentivou, parabenizou, e enviou meu texto.

Um júri de professores de português de toda a região e uma única decisão escrita em letras vermelhas: REJEITADO.

A razão? Simples, o texto era teatral demais, rebuscado demais, confuso demais, estereotipado demais, e adulto demais.

Deveria ter desistido ali. Parado. Reconhecido minha incapacidade enquanto criador de boas narrativas.

Eles não sabem o que dizem, são velhos, não reconhecem sua genialidade”. Eu pensava.

E por isso segui, cadernos e mais cadernos escritos de uma ponta a outra.

Histórias sobre o Rei Arthur após ler As Brumas de Avalon.

Histórias sobre o pecado após ler a Bíblia.

Histórias sobre Santos depois de ouvir a Homilia do padre.

Histórias sobre duendes após assistir algum filme da Barbie. (Sim eu assumo sempre gostei dos filmes desta boneca horrorosa).

Histórias sobre garotos grandes e gordos quando me reconheci assim no espelho.

Histórias sobre valentões e covardes quando vivi isso na escola.

Agora perguntem-me, por que sofri bullying na escola?

Simples, por ser inteligente, criativo e escrever redações que as professoras gostavam. Principalmente pelo último quesito.

Que gentinha invejosa, era receber parabéns da professora de literatura e ouvir um: “Te pego lá fora Aurélio”.

Poxa gente, Aurélio é a porcaria de um dicionário, como não ser e se sentir superior a alguém que se quer sabe disso?

Os anos passaram, cresceram meus irmãos e os anjos levaram... ops história errada.

Os anos passaram, e eu continuei. Escrevi dezenas de livros, trinta páginas, cinquenta páginas, cem páginas, duzentas páginas...

Cada um deles preenchido com o que vivia na época que foram escritos.

Na quinta série: Ficção. Seres alienígenas que abduziam professores de matemática.

Na sexta série: Romances. Primeiro amor, primeiro beijo, primeira rejeição.

Na sétima série: Romances Hot. A maravilhosa descoberta do Sexo. Jesus, como eu tinha a mente poluída, pensava em muitas coisas para escrever, mas era o sexo meu objeto de trabalho.

Na oitava série: Poesia. Páginas e páginas com declarações de amor. Uma para Samira. Outra para Carla. Outra para Amanda (que me espancava todos os dias, mas, era a valentona mais linda que já vi). Outra para Cecilia. Outra para Henriqu... Henriqueta!

Na nona série: Drama. Eita fase depressiva. Era histórias sobre pais que não amam os filhos. Filhos que queriam ter outros pais. Filhos e Pais que se detestavam. Da para ver que foi uma fase bem conturbada.

No primeiro ano: Terror. Narrativas carregadas de assassinatos escolares. Mutilação de Professores. Destruição de cidades inteiras.

No segundo ano: Policiais. Investigações sobre algum serial killer que matava ou professores, ou alunos do ensino médio, ou pais ausentes.

No terceiro ano: De tudo um pouco. Com o fim da fase do adolescente rebelde e depressivo, eu sonhava e criava livros inteiros a partir daí.

Escrevia o dia todo. E a noite também. Não vivia, apenas escrevia. E sonhava.

Um dia, pelo menos um desses diversos cadernos será um livro mundialmente conhecido

Porém tudo que é sonho acaba.

Meus preciosos trabalhos de uma vida inteira, destruídos por um irmão inconsequente.

Eu achei que eram cadernos velhos e por isso queimei, não sabia que você os queria

Parar nunca passou pela minha cabeça. Comecei do zero, salvei alguns dos manuscritos antigos, poucos de boa qualidade, ou melhor quase nenhum.

Hoje ainda escrevo. No computador, histórias sobre semideuses, bruxas, assassinatos, serial killers, romance, dramas, uma pena que poucos estão completos.

O drama do autor que sabe começar, sabe chegar no meio, mas não sabe como finalizar a obra.

Um dia espero, serei um escritor. Mas se depender de tentativas falhas como esta, bem, só você pode me dizer.

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A literatura, como toda a arte, é uma confissão de que a vida não basta.

Talhar a obra literária sobre as próprias formas do que não basta é ser impotente para substituir a vida.

Fernando Pessoa - Heróstrato

 

1 comentários:

  1. Eita Julielton!
    Que dor deve ter sido seus escritos serem queimados.
    É por isso que guardo os meus as sete chaves, dentro de uma enorme caixa em cima do armário. Um dia poderei relê-los e trabalhá-los melhor...
    Recomece amigo, não deixe seus sonhos esmorecerem. Todo recomeço é bom.
    “A suspeita sempre persegue a consciência culpada; o ladrão vê em cada sombra um policial.”(William Shakespeare)
    cheirinhos
    Rudy
    http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
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Julielton Souza